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PARTE 4 - Aperfeiçoando e adequando: onde tudo começou

  • leticiasilveiramz
  • 16 de out. de 2020
  • 7 min de leitura

Estou trazendo ao post "uma série de  comprometimentos com base em meus próprios interesses, valores, crenças que são construídas a partir de minha própria história […]”. (Ivanic, 1998)





Diante das discussões sobre autoria e papéis dos profissionais do mercado editorial, esse post surge com a leitura de alguns capítulos do livro "Ritos genéticos editoriais: autoria e textualização" e, além disso, mais uma vez, a partir de minhas experiências vividas no universo editorial, no qual trabalhei como revisora de textos. O trabalho ocorreu nos anos de 2014 à 2016 na Revista Cadernos da Pedagogia, do Departamento de Educação na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que me mostrou questões fundamentais sobre a complexidade no processo de edição e revisão de textos acadêmicos bem como, o confronto pessoal do revisor com os trabalhos de revisão.


Me lembro daquela tarde como se fosse ontem. Naquele dia, 23/03/2014, dia do meu aniversário de 21 anos, recebi um e-mail de uma revista científica de pedagogia que oferecia estágio remunerado para revisor de textos. Sem nenhuma experiência e no terceiro ano de graduação, decidi me aventurar e fui até a entrevista. Lá, 5 candidatas. Algumas com os mesmos anseios e dúvidas: será que preciso ter experiência? consigo dar conta desse trabalho? O que será que teremos que fazer? Por outro lado, outras candidatas calmas e confiantes: "é tranquilo, esta vaga é apenas para corrigir os erros ortográficos!". Confesso que desconfiei delas.


Pois bem, fui chamada para entrevista. Coração batendo forte. Será que é hoje que conquisto o primeiro estágio da minha carreira? O papo rolou naturalmente. Transpareci os meus anseios, minha falta de experiência, mas também a minha enorme paixão pela escrita, leitura, pelos estudos dos gêneros e os tratamentos dos textos, muitas vezes vistos e revistos nas disciplinas de graduação. Quando saí da entrevista, aparecia logo na tela do meu celular um e-mail: VOCÊ FOI APROVADA PARA A VAGA DE ESTÁGIO PARA REVISOR DE TEXTOS. Eba, bora pro bar!


Durante quatro anos no curso de Linguística pude assistir apaixonantes aulas sobre o mundo editorial e o impacto deste processo de produção científica no meio acadêmico, porém, a prática se distanciou da teoria quando me encontrei diante de dezenas de artigos, que, por sua vez, não diziam respeito sobre a área na qual estava habituada a ler e a estudar. Qual o conhecimento prévio na área de pedagogia eu deveria ter para revisá-los? Até que ponto eu poderia interferir em um texto que não havia sido escrito por mim? E se eu tentasse mudar informações fundamentais do texto?


A distância do que vi em sala de aula e o que encontrei no estágio diz respeito, sobretudo, à variedade de assuntos os quais tive que me propor a compreender para o trabalho de revisão. Nas aulas de revisão e produção de texto, as quais não vi somente produção científica, tínhamos como base textos linguísticos, jornalísticos, publicitários e literários, ou seja: estive em uma zona de conforto durante anos até me deparar com temas nunca vistos antes.


Esse novo ambiente me fez amadurecer como leitora, e sobretudo, como profissional da língua. Diante dessa experiência incrível, pude perceber que a revisão de texto vai muito além de analisar gramaticalmente textos com temas que já conhecemos ou estamos habituados a ver, seja no dia-a-dia ou na sala de aula. Por isso, trabalhar com diversos textos de outra área me possibilitou enxergar o processo editorial com outros olhos. Aqueles que me permitem julgar um texto que não possui a minha autoria, mas que é capaz de ser dito de outra forma e ainda assim não perder a sua essência. Citando nossa professora:

(...) verificamos que, num percurso de idas e voltas do material, o autor é chamado a um exercício de alteridade cujas diretrizes dizem respeito ao que pretende cada projeto editorial, sendo que cada projeto está orientado pelas condições de produção nas quais se formula. (SALGADO, 2016, p. 29)

Com isso, os processos de revisão foram muito além da correção de falhas gramaticais após minha leitura, enquanto estudante de linguística. A revisão permitiu que o autor enxergasse seu texto através da minha visão, fazendo com que questões imperceptíveis ou despercebidas por ele em um primeiro momento, fossem finalmente alcançadas, possibilitando o progresso do texto. A fim de compreender melhor essa questão, posso mostrar posteriormente, em outras postagens, como se davam essas minhas trocas com os autores e nossas conversas. De todo modo, deve-se considerar a revisão como um avanço e adaptação de um texto para a circulação, ou seja, para ir ao público. Citanto a professora Luciana, mais uma vez:


Não se trata apenas de correção, mas de aperfeiçoamento e adequação de um texto escrito, o que significa dizer que há regras de construção previstas e ditames a serem respeitados, mas também que esse “respeito” será guiado por noções menos precisas, ainda que igualmente importantes e constitutivas das diretrizes de correção de um texto; aperfeiçoar e adequar envolvem conhecimentos relativos ao objeto sobre o qual versa o texto, às características que o autor lhe atribui, ao estilo desse autor e ao público a que se destina o material — elementos que se complexificam, uma vez que estabelecem entre si relações variadas, implicando-se dinamicamente (SALGADO, 2016, p.163).

De fato, tive que ler muitos textos sobre os temas dos artigos para poder revisá-los. Incrível pensar que essas leituras me fizeram partir para a área de ensino e aprendizagem de línguas na pós-graduação. Percebam que, uma experiência editorial transformou a minha vida acadêmica e, principalmente, minha expectativa sobre onde gostaria de trabalhar quando me formasse. A área da educação me pegou. E, vale salientar que antes disso, meu grande sonho era trabalhar em editoras e revistas. O que de fato aconteceu, quando fui trabalhar em uma editora logo após essas experiências. Mas minha grande paixão floresceu na educação e me permitiu estar aqui hoje, escrevendo esse post. Doido, né?

De todo modo, ainda sabemos que quando se lê um jornal, uma revista, um livro ou um artigo científico, a escrita está organizada, bem feita e padronizada. Não há um erro ortográfico ou qualquer acento fora do eixo. Este trabalho é feito em equipe entre autores, editores e os revisores. Portanto os revisores, nessa hora, não são tão bem valorizados como deveriam. Sabe-se que não há nenhuma universidade que ofereça um curso de graduação específico de “revisão de textos”, embora já haja muitos cursos e sindicatos inteiros para esses profissionais. Mas, de toda forma, não existe uma formação voltada diretamente para eles. Por isso, muitas vezes, o trabalho deve ser feito como freelance, o que certamente não estabiliza a vida do profissional e o deixa a par de diversas dificuldades. Dificuldades essas que, de certa forma, me desanimaram a prosseguir na área, já que desde o primeiro momento em contato com os temas sobre educação, me apaixonei.


Além disso, durante este trabalho como revisora, seria de extrema importância que eu me mobilizasse para me conectar a dois papéis fundamentais para a existência do texto: o de autor e de leitor. Pelo lado do autor, aquele familiarizado com o texto e livre para escrever o que deve ser dito e, mostrando então o dizer do autor, e por outro, uma posição privilegiada de leitor e sua disposição para a leitura.


Logo, como autor eu deveria refletir sobre o impacto que meu texto causaria na comunidade discursiva a fim de analisar profundamente seus efeitos . Além disso, na revisão textual, inteiramente no papel do autor, pensei: Qual o meu público alvo? Onde meu texto irá circular? Meu texto possui relevância e/ou contribuição para meus leitores? Ou seja, considerando sempre as condições de produção. Diante dessas perguntas eu poderia de fato, após a pré análise do parecerista, me responsabilizar pela análise do efeito que os sintagmas, palavras e expressões causariam no texto em questão.


Não obstante, o meu papel como leitora privilegiada daquele texto é, de fato, imprescindível. Eu como leitora, em determinado momento, poderia também me questionar se aquele texto me parece agradável para leitura. Questionei: Quem sou eu (como público)? Este texto possui relevância e/ou contribui para minha formação acadêmica e intelectual? Mais uma vez, olhando para as condições de produção. Essas questões, de certa forma, também me colocariam em um lugar confortável para analisar a semântica do texto.


Diante destes textos os quais efetuei as revisões, foi necessário que eu considerasse o gênero que estava trabalhando, tendo em vista que os textos derivam de certa forma de uma identidade discursiva, ocasionando então em normas e condições específicas que devem ser consideradas para a revisão. Logo, considerando que eu, como aluna de linguística, fazia parte da comunidade discursiva a qual estava trabalhando, foi fácil recorrer à uma memória discursiva que facilitou o meu trabalho durante a revisão. Esse fato se deu justamente por, durante anos na minha graduação, me deparar cotidianamente com textos acadêmicos que, de certa forma, para serem circulados e obviamente, aprovados pela instituição, devem seguir normas e regimes.


O meu conhecimento sobre essas normas viriam anteriormente dos meus saberes acumulados durante minha vida como estudante de Linguística na Universidade Federal de São Carlos, a mesma universidade em que os textos são trabalhados, e desse modo, facilitariam o meu ver no texto em questão. Citando Souza-E-Silva:


Em toda situação de trabalho, há sempre uma combinação parcialmente inédita entre as normas antecedentes (todas as prescrições, sobretudo as definidas pela hierarquia: manuais, instruções técnicas, etc.), os materiais e os objetos técnicos [...] e os saberes acumulados pelo indivíduo e pelo microcoletivo, cada qual com sua história (SOUZA-E-SILVA, 2008, p. 16).

Este trabalho desenvolvido pelo revisor muitas vezes é sutil e não aparece nitidamente no texto, por isso devemos sempre refletir sobre a importância dos diversos processos que ocorrerem nos trabalhos editoriais em um único artigo acadêmico. Por isso, vale refletir que não se trata de um processo único de revisão e sim de vários processos, envolvendo diversos profissionais e suas funções específicas e únicas que devem ser valorizadas, conforme discuti no post 3.


Em próximas postagens posso descrever como acontecia o processo de revisão, para que possamos entender com maior profundidade a importância desses processos editoriais, que discutimos tanto em nossos encontros. Uma explicitação sobre esse processo também é importante para compreendermos como se dava a relação dialógica entre todos os indivíduos presentes no processo editorial, de modo a compreender as relações hierárquicas, as dificuldades, facilidades e importância da comunicação.


Agradeço à todas e todos pela leitura!


Até já!


Letícia



REFERÊNCIAS


IVANIC, R. Writing and identity: the discoursal construction of identity in academic writing. Amsterdam: John Benjamins,1998.


SALGADO, L. S. Ritos genéticos editoriais autoria e textualização / Luciana Salazar Salgado. – Bragança Paulista-SP: Margem da Palavra, 2016.


SOUZA-E-SILVA, M. C. P. Atividade de Linguagem, Atividade de Trabalho: Encontro de Múltiplos Saberes. Revista Intercâmbio, São Paulo, v. 18, 2008.


 
 
 

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